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domingo, 8 de julho de 2012
Rodrigues, Nelson (1912 -
1980)
Biografia Nelson Falcão Rodrigues (Recife
PE 1912 - Rio de Janeiro RJ 1980). Autor. Ao longo de sua trajetória artística,
Nelson Rodrigues é alvo de uma polêmica que o faz conhecertanto o sucesso absoluto, como em
Vestido
de Noiva, 1943, cuja encenação por Ziembinski marca
o surgimento do teatro moderno no Brasil, quanto a total execração, como em Anjo
Negro, 1948, ousada montagem para a época pelo Teatro
Popular de Arte. Distante de qualquer modismo, tendência ou movimento, cria
um estilo próprio e é hoje considerado um dos maiores dramaturgos
brasileiros.
A primeira peça de Nelson já traz uma evidente carga
psicológica, em que o jogo neurótico invade e transforma as relações. O que
move a ação de A Mulher sem Pecado é o ciúme, doença aceita nos extratos
mais recatados da sociedade. A narrativa se mantém dentro do comportamento
social, só permitindo ao espectador acesso ao mundo interior das personagens
através desse filtro. Na encenação do texto pela bem comportada companhia Comédia
Brasileira, em 1942, o que é o latente estilo rodriguiano passa
despercebido.
Em Vestido de Noiva, Nelson cria um artifício dividindo
a ação em três planos - da memória, alucinação e realidade - permitindo ao
espectador acessar toda a complexidade da psique da personagem central. O
texto sugere insuspeitas perversões psicológicas, mas a temática não ultrapassa
a traição entre irmãs e o apelo da vida mundana sobre a fantasia feminina. A
encenação realizada por Ziembinski com o grupo Os
Comediantes, em 1943, torna-se um marco histórico. A peça passa por várias
montagens no decorrer das próximas décadas.
Em Álbum de Família, texto seguinte, escrito em 1945,
Nelson elabora um mergulho radical na inconsciência primitiva de suas
personagens, que se tornam arquétipos, trabalhando sua narrativa sobre as
verdades profundas e inimagináveis do ser humano a partir da célula da família.
Aqui o tema se aloja em um dos maiores tabus sociais - o incesto em todas as
direções, entre irmãos, mãe e filho, pai e filha. O autor nomeia seu estilo de
"teatro desagradável" e reconhece que este teatro, que se inicia a partir de
Álbum de Família, inviabiliza a repetição do sucesso de Vestido de
Noiva, porque "são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si só, de
produzir o tifo e a malária na platéia".1
A rejeição à obra de Nelson Rodrigues, de motivação
eminentemente moral, começa com a censura a algumas de suas peças. Álbum de
Família, de 1945, só virá a ser encenada 22 anos depois de escrita.
Anjo Negro, de 1946, sofre tentativas de censura religiosa, mas
consegue ir à cena dois anos depois, polêmica montagem, novamente encenada por
Ziembinski, pelo Teatro Popular de Arte, encabeçados por Maria
Della Costa e Sandro
Polloni.
Nelson volta mais uma vez a ser encenado por Ziembinski em
1950, com Dorotéia. A encenação e o texto, da intitulada "farsa
irresponsável" pelo autor, não são compreendidos pelo público, saindo
rapidamente de cartaz. Em 1951 é a vez de Valsa Nº 6, um monólogo em que
uma jovem de 15 anos, golpeada mortalmente, recupera, em estado de choque, o
mundo a sua volta. A peça é escrita para ser interpretada por Dulce Rodrigues,
irmã do autor, e é dirigida por Henriette
Morineau.
Em 1953, A Falecida, primeira tragédia carioca de Nelson
retratando a peculiaridade da Zona Norte do Rio de Janeiro, é encenada por José
Maria Monteiro, com a Companhia
Dramática Nacional - CDN, tendo Sônia
Oiticica e Sergio
Cardoso como protagonistas. Na seqüência, surge Senhora dos Afogados,
escrito antes de Dorotéia e Valsa Nº 6, em 1947. A montagem que,
inicialmente estrearia no Teatro
Brasileiro de Comédia - TBC, tem seu curso interrompido após meses de
ensaios, sendo retomada em 1954 pela CDN, com direção de Bibi
Ferreira. Ao final da estréia, ao subir, em uma extremidade do palco, o
autor, e, na outra, a diretora, o público vira-se na direção dele e vaia,
volta-se para ela e aplaude, exaltando o espetáculo para repudiar o texto. A
causa do horror do público é outra vez a relação incestuosa, o amor da filha
pelo pai, que faz com que a mãe se vingue traindo o marido com o noivo da filha,
motivando assassinatos entre os membros da família.
Perdoa-me por me Traíres
, a história de uma órfã adolescente que vive sob a repressão de um tio. A
peça causa escândalo na cena carioca em 1957. Sendo produzida pelo ator e autor
Glaucio Gill, o elenco traz o próprio Nelson Rodrigues e Abdias
do Nascimento, líder do Teatro
Experimental do Negro - TEN.
Ainda em 1957, Nelson escreve Viúva, porém Honesta,
outra "farsa irresponsável", sátira violenta tendo como alvo os jornalistas e a
crítica especializada. Menos de dois meses após o lançamento de
Perdoa-me, a produção de Viúva, com direção do alemão Willy Keller
e cenários e figurinos de Fernando Pamplona, vem a ser a resposta do autor à má
recepção da opinião pública à peça anterior.
Em 1958, a Companhia
Nydia Licia-Sergio Cardoso retoma Vestido de Noiva, numa versão
renovada, bem distinta da primeira de Ziembinski, merecendo elogios dos
jornais.
Os Sete Gatinhos
, "a divina comédia", retoma o tema de família suburbana carioca, agora se
decompondo drasticamente a partir da revelação de que a filha caçula, Silene,
frusta as expectativas da família ao ser seduzida pelo malandro Bibelot. A peça
tem novamente Willy Keller na encenação, e é produzida pelo irmão de Nelson,
Milton Rodrigues.
Em 1961, José
Renato, fundador do Teatro
de Arena, encena, no Teatro
Nacional de Comédia - TNC, a próxima peça de Nelson, Boca de Ouro,
escrita em 1959, e que, em 1969, tivera uma estréia mal-sucedida na mão de
Ziembinski, que cismara em interpretar o papel-título. As várias faces de
Boca de Ouro, o bicheiro cafajeste da Zona Norte, que surgem a partir
de depoimentos de Dona Guigui, após a sua morte, ganham brilho e verossimilhança
na interpretação de Milton Moraes.
O Beijo no Asfalto é escrita sob encomenda de Fernanda
Montenegro a Nelson. Em 21 dias, o autor apresenta mais uma de suas
tragédias cariocas, agora abordando a sordidez não só da imprensa, mas também da
polícia, numa trama forjada que destrói a reputação de um homem, acusado de
homicida e homossexual. O Teatro
dos Sete estréia o espetáculo em 1961, sob a direção de Fernando
Torres, com cenografia de Gianni
Ratto, contando com Fernanda, Sergio
Britto, Oswaldo
Loureiro, Ítalo
Rossi, entre outros.
Martim
Gonçalves, animador do Teatro Novo, monta em 1962 Otto Lara Resende
ou Bonitinha, mas Ordinária. A trama gira em torno das hesitações de um
humilde contínuo, entre casar-se com a filha de um magnata e vítima de um
estupro bárbaro, ou manter-se fiel a seus sentimentos por uma prostituta pobre
que sustenta a mãe louca e as três irmãs, papel reservado a Tereza
Raquel, que se destaca no conjunto.
Em 1965, Ziembinski retoma a parceria com Nelson, para lançar
Toda Nudez Será Castigada, a história de um homem conservador que se
apaixona por uma prostituta, que acaba por traí-lo com o próprio filho. Ela
suicida-se após a fuga do rapaz com um outro homem, e deixa uma gravação
revelando toda a verdade ao marido. Para incorporar a protagonista Geni, muitas
atrizes são consultadas, mas recusam o papel, que é tomado com paixão por Cleyde
Yáconis.
Tendo encenado cinco peças de Nelson Rodrigues, Ziembinski é
aquele que, entre os diretores que realizam as primeiras encenações do autor,
não se limita a montar o texto mas se serve dele para construir uma linguagem
própria, na maioria das vezes em busca de um expressionismo que, em vez de
situar a ação em ambientes decorativos, cria, com auxílio primordial da
cenografia de Tomás Santa Rosa e da iluminação, espaços a serem utilizados pela
marcação cênica.
Em 1967, é a vez de subir a cena a terceira peça de Nelson,
Álbum de Família, escrita em 1945 e logo proibida pelos censores,
liberada somente 20 anos depois. O Teatro
Jovem, de Kleber Santos, assume a montagem, tendo Vanda
Lacerda, José
Wilker e Thelma
Reston, entre outros, no elenco.
Os compromissos jornalísticos, a decepção com a receptividade
de suas peças e os problemas de saúde fazem com que Nelson deixe de escrever
para o teatro durante oito anos. Seu penúltimo texto dramático é Anti-Nelson
Rodrigues, de 1973, e, ao contrário das anteriores, dá um final feliz aos
protagonistas da trama. Neila Tavares, responsável por convencer o dramaturgo a
escrever para ela, incorpora a personagem Joice, sob a direção de Paulo César
Pereio.
A última peça de Nelson Rodrigues, A Serpente, é escrita
em 1978. Duas irmãs casam-se no mesmo dia, uma é feliz no casamento e a outra
não consegue sequer perder a virgindade em sua lua-de-mel. A bem-sucedida
empresta o marido à irmã, trazendo paixão, ciúmes e morte para a relação
fraternal. Sobre a peça paira um certo rótulo de "maldita", superstição
conhecida dentro da classe teatral, tendo, no mínimo, três expectativas de
montagem frustradas. O espetáculo acaba por estrear em 1980, dirigida por Marcos
Flaksman, no Teatro do BNH, no Rio de Janeiro, casa de espetáculos que ganha
o nome de Teatro Nelson Rodrigues, após a morte do autor.
Nelson Rodrigues tem vinte de suas histórias transpostas para a
tela do cinema, algumas em duas versões, como Boca de Ouro, de Nelson
Pereira dos Santos, 1962, e de Walter Avancini, 1990, e Bonitinha, mas
Ordinária, de R. P. de Carvalho, 1963, e de Braz Chediak, 1980. Algumas das
realizações mais bem-sucedidas são A Falecida, de Leon Hirszman, 1965, e
O Casamento, de Arnaldo Jabor, 1975. Suas crônicas para O Jornal,
sob o pseudônimo de Suzana Flag, são publicadas em livros, como Meu Destino é
Pecar, As Escravas do Amor e O Homem Proibido. Escreve também
para os periódicos Última Hora, Flan, Correio da Manhã,
O Globo e Manchete Esportiva. Assinando artigos sobre esporte, não
priva o leitor de seu estilo dramático, atendo-se muitas vezes ao sentido da
rivalidade, ao significado do gol, ao efeito do suor sobre a subjetividade da
platéia brasileira.
Na maioria das obras do autor, a realidade tem apenas o papel
de situar a ação, que se concentra de fato sobre o universo interior das
personagens. O jogo entre a verdade interior - nem sempre psíquica - e a máscara
social é outro elemento recorrente em sua dramaturgia. As personagens podem se
desmascarar ao longo da narrativa - como em Beijo no Asfalto ou
Toda Nudez Será Castigada - ou estarem francamente libertos de qualquer
censura interna ou externa como em Álbum de Família - e, nesse caso, a
supressão das leis da conveniência que permite o convívio termina em tragédia
absoluta, restando pouca vida ao final da narrativa. A morte, como em toda a
tragédia, ronda as tramas do autor e, via de regra múltipla, marca o último ato.
Com exceção de Viúva, porém Honesta e Anti-Nelson Rodrigues, a
morte, nas demais 15 peças, atinge as personagens centrais e toda a narrativa se
desenha em torno da inevitabilidade desse destino.
Sobre a assimilação e receptividade da obra rodriguiana na cena
nacional, escreve seu maior estudioso, o crítico Sábato
Magaldi: "Nelson Rodrigues tornou-se desde a sua morte, em 21 de dezembro de
1980, aos 68 anos de idade (ele nasceu em 23 de agosto de 1912), o dramaturgo
brasileiro mais representado - não só o clássico da nossa literatura teatral
moderna, hoje unanimidade nacional. Enquanto a maioria dos autores passa por uma
espécie de purgatório, para renascer uma ou duas gerações mais tarde, Nelson
Rodrigues conheceu de imediato a glória do paraíso, e como por milagre
desapareceram as reservas que, às vezes, teimavam em circunscrever sua obra no
território do sensacionalismo, da melodramaticidade, da morbidez ou da
exploração sexual.
Parece que, superado o ardor polêmico, restava apenas a adesão
irrestrita. As propostas vanguardistas, que a princípio chocaram, finalmente
eram assimiláveis por um público maduro para acolhê-las. Ninguém, antes de
Nelson, havia apreendido tão profundamente o caráter do país. E desvendado, sem
nenhum véu mistificador, a essência da própria natureza do homem. O retrato sem
retoques do indivíduo, ainda que assuste em pormenores, é o fascínio que
assegura a perenidade da dramaturgia rodrigueana".2
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